sábado, 19 de outubro de 2013

Achado não é roubado

Achado não é roubado


E foram apenas dois cocos e algumas bananas, mas a polícia o pegou como se fosse assaltante de banco.
Foi parar atrás das grades sem direito a advogado.
Os dias passavam e ele só queria explicar para sua mãe o porquê não havia voltado com o pão. Ele havia perdido o dinheiro e enquanto o procurava avistou a casa com um coqueiro tombado e bananas no chão da rua.
O cão deu o alarde e a dona da casa já havia chamado a polícia, tudo foi tão rápido. De dentro da viatura, ele pensava como poderia ser crime pegar frutas no chão, poderia pedir perdão.
Ao segurar as grades, lembrava-se de seus dias na escola, eram tão bons. Não faltava para não perder a comida e também para fazer o dever com capricho, prestava muita atenção à professora. Prometia para sua mãe que iria se formar ...um dia.
Era educado. Aos guardas dizia: “- por favor” e ao entregador de marmitas
“ - brigado”.
Certo dia, chegaram à delegacia duas velhinhas, uma branca e uma negra. A branca reclamava com a polícia que o ladrão continuava pulando seu muro e furtando seus cocos, bananas e pertences. A negra pedia informações sobre seu filho desaparecido.
O delegado que era um homem justo, entendeu que houve um equívoco. Mostrou o tal “ladrão” para a dona branca, que logo desfez o engano, aquele rapaz não era o moleque que invadia sua casa.
Ao olhar para a entrada da delegacia, viu sua mãe na sala, a velhinha negra, e se emocionou. O rapaz chorou, ele era inocente.
O delegado o soltou com muitos pedidos de desculpas, ele aceitou e saiu explicando o acontecido para sua mãe.

Naquele dia, ele resolveu voltar para a escola, sabia muito bem que achado não é roubado. Graças a Deus, tudo foi solucionado e agora ele tem um sonho: se tornar um advogado.  

Dai-me graças, Senhor!


     Dai-me graças senhor!
    Mesmo sabendo que não sou merecedora, me atrevo a pedir graças. Desejo um emprego de professora, porque tenho muito a ensinar, basta saber se os outros querem aprender tanto quanto eu quero, e por isso passo a refletir. Dai-me graças senhor!
     Sinto em dizer que os seres estão perdendo a noção do que é correto por dinheiro, e isto já vem do seu tempo, mas é que, agora, tudo piorou.
     Estou sem dinheiro, sem emprego, e mais duro é constatar que minhas dívidas irão aumentar com minha ausência em casa. Dizem que ninguém morrerá com a minha falta, que é só impressão minha, mas tenho uma caçula magrinha que não se vira para se alimentar e, certa vez, quando cheguei em casa às 18 h. , depois de sair cedo para trabalhar como secretária nas eleições, ela me disse que não havia comido nada desde então, fui cobrar da sua irmã acima a quem dei a obrigação tal e esta me respondeu que a pequena lhe dissera que nada queria e ponto final. Ponto final? Ponto de interrogação meu e de exclamação dos outros porque de fato ninguém morreu. Tá! Vejo que hoje tudo é muito simples, basta um levantar e abaixar de ombros, um bater com uma mão na outra limpando poeira invisível e um fazer de beiços em mímicas a dizer: - e eu com isso?
     Por tentar fazer o certo é que me atrevo a pedir graças. Vivemos momentos de total displicência e negligência com pessoas pensando: “- quem esquenta a cabeça é palito de fósforo” e daí deduz-se que todos se cansaram de procurar seus direitos. As leis não são cumpridas. Você ocupa um lugar já sabendo que se chegar alguém dono do dinheiro jogarão você para o final da fila. E por falar em fila, outro dia, de dentro do ônibus, vi uma enorme e pasmei, porque riam e conversavam, contando piadas talvez, porque de longe não se ouvia o motivo da graça. Mesmo em uma imensa fila, todos já haviam encontrado um meio de não se cansar, encostavam-se na parede, sentavam no chão ou em algo improvisado e não se irritavam pois era sabido da falta de vantagens e ficavam assim desfrutando o momento anti-reflexivo da falta no emprego ou da falta deste.
     Os americanos estão lá com aquela famosa frase na cabeça: “time is money, time is money” e por isso engolindo o mundo como um sapo a mosquitinhos e nós aqui gargalhando porque ouvimos dizer que rir é o melhor remédio, e , só por isso não vou chorar, mas ainda querendo ensinar o certo, luto para merecer Sua aprovação...

      Dai-me graças senhor!      

Esperem por mim

Esperem por mim!!

Eu estava lavando as panelas,
Limpando as janelas,
Aguando o jardim.

Preciso alimentar minha cria,
Ver o mundo lá fora
E lembrar de mim

Lembrar que eu gosto de ver orquídeas brotando,
Surgindo crisálidas
Remexer a terra e achar: o anel perdido, o bulbo escondido
Um prazer sem fim.

Esperem que eu preciso colocar o lixo para fora,
Agradecer às cachorras a guarda.
Preciso ensinar a verdade,
Manter vaidade em cuidar de mim.

Esperem que eu chego e mostro
Que também posso apontar o poço e não mais cair.

Esperem que falta pouco.
Já sinto orgulho em achar que está quase pronto,
Posso colocar um ponto e enfim chegar

Até aí. 

Erro de cálculo

Erro de cálculo


     Ninguém mais o procurava. Foi dado como furtado e ponto final. E quem achava que ao vendê-lo continuaria rico, foi envelhecendo na mais triste pobreza. Foi um erro de cálculo.
     O seu dono era um homem amargo que só sorria para seu papagaio. Não se casou nem teve filhos. Foi o último de uma nobre família e pensou que poderia viver bem, até o final de seus dias, vendendo os pertences herdados: talheres de prata, copos de cristal, louças inglesas, tapetes persas... Era precisar, vender, que o dinheiro caía em suas mãos.
     Quanto ao objeto furtado, tratava-se de um anel de brilhantes que valia o preço daquela casa luxuosa que aos poucos se esvaziava.
     O anel era guardado no cofre e de lá só saía para ser colocado na janela, o seu dono adorava vê-lo multiplicar os raios coloridos do sol por todo o quarto. Só seria vendido se muito necessário fosse.
     Certo dia, o anel sumiu. Foi um alvoroço. A polícia investigou o caso interrogando toda a vizinhança porque empregados não havia. O furto não foi desvendado.
     O tempo foi passando, o jardim secando e o silêncio só era quebrado pela fala do papagaio, único e último amigo do velho:
 - Querido, tô aqui! – Querido, tô aqui!

      Morreu em uma manhã de sol. Foi encontrado perto da janela sendo consolado pelo seu papagaio que o tocava com o anel no bico multiplicando os raios coloridos por todo o quarto.



   

Não tem preço

Não tem preço

   Quando veio abaixo a última parede da casa em ruínas da minha rua, eu não poderia imaginar como minha vida poderia virar do avesso. Eu era uma garota ingrata.
    Os pedreiros remexiam o entulho, eu me aproximei para ver o que encontraram. Eles acharam um pequeno baú pesado, feito de um metal que não conheço. Eles abriram o baú discutindo e combinando dividir “o tesouro” e ficaram muito decepcionados quando viram que eram coisas velhas e infantis: uma boneca de trapo caolha, recortes de jornais, um diário, um lápis com borracha que nunca vi igual e algumas quinquilharias sem valor. Perguntei se poderia ficar com aquilo e eles responderam que o jogariam no lixo.
   Voltei para casa correndo e me tranquei em meu quarto. Passei aquele sábado examinando cada objeto. Há dias, fico olhando a demolição imaginando mistérios, brinquei muito naquele terreno desobedecendo minha mãe.
   Passei um pano úmido nas coisas e as coloquei no parapeito( agora sei o porquê do nome) da janela pegando ar, tudo era muito velho.
   Quando abri o diário, com todo cuidado, quase caí para trás ao ler o ano de 1918!!
   Mamãe me chamou para o almoço, eu reclamei mas fui porque ela ficaria batendo na porta. Engoli a comida, menti que iria estudar e retornei para a leitura virando as páginas com a pontinha da unha. Até que tudo estava bem conservado. Quase 100 anos!!!
   A menina que escrevia tinha a minha idade. Ela começou a escrever depois que seus pais morreram na mesma semana e de uma tal “grippe espanhola”. As palavras são escritas com letras dobradas: anno, grippe, affirma... e outras de forma estranha: victima, contradicção, pharmacia com ph??  “Como debellar a grippe?” -li no jornal- Debellar? Vou procurar no Google!
   Estou lendo de boca aberta, ela escreve com muita tristeza e saudades, está sendo cuidada por uma tia que está grávida e muito nervosa, todos da casa estão com muito medo da tal “grippe”.
   Eu sempre fui muito distraída, vivo de cara para meu celular, não respondo para o porteiro que me cumprimenta, nunca dou beijo e abraço em meus pais quando vou para o colégio, não dou a menor bola para o Bilu que faz a maior festa quando eu chego e vovô e vovó só vejo em aniversários. A menina morre de saudades dessas coisas e me deu vontade de chorar com ela 95 anos depois.
   Fui até minha janela para ver o que ela descreveu como “Espetáculo Primaveril”, minha professora fez o mural da primavera e eu nem liguei... agora, olho tudo florido, é a mesma visão de 1918? Muito bom olhar a natureza, não sabia que era tão bom, tem até perfume!
   Precisei desligar o celular, não queria parar de ler, minha mãe não vai me chamar nem para o lanche.
   A menina está arrumando suas coisas para voltar para a terra de seus avós paternos, só que não escreveu onde fica. Ela está muito triste.
   Ela conta que a tia repete o tempo que tanto os que venceram a guerra quanto os que perderam sofrem agora igual. Como também repete que sua casa deverá parar de ser construída.
      Ao final de seu diário, ela escreve que está torcendo para que o bebê nasça saudável e que seja menina para aproveitar seus brinquedos, planejou deixar seu baú enterrado em um dos pilares da casa. Os nomes já estavam escolhidos, se for menina se chamará Margarida e se for menino Astolfo. Astolfo? Astolfo é o nome do velhinho que fica sentado no mercadinho da esquina, ele dá balas para a criançada do bairro. Gosto dele.
 Será?

    O que aprendi hoje não tem preço, não quero mais ser ingrata com tanta coisa boa que recebo, nem com pessoas legais que conheço. Darei um abraço apertado em minha mãe, esperarei papai com o jornal, domingo visitarei meus avós, colocarei a coleira no Bilu para colher algumas flores e levar para seu Astolfo em agradecimento pelas balas. Agora sou outra e isto é um “facto” !!  

Ordem Divina

Ordem divina


Nasceu em uma manhã fria e com mais aquela chuva fina estaria sentenciada sua morte se não fosse a ordem divina: - viva e cresça! Tenho um trabalho para você.
Quem discute com Deus? O corpinho tremia de frio enquanto o coração batia insistente e obediente.
Com muito custo emitiu um som, depois dois, só que ninguém os ouviu. Foi ganhando fôlego e provocou um gemido mais alto. Sentiu o calor de um ser vivente novamente. Alguém o pegou! Ainda não podia abrir seus olhinhos.
Recebeu seu primeiro alimento, engoliu-o desesperadamente quase se engasgando.
Quem seria essa alma bondosa que tocada o salvou? Poderia ser alguém rico que logo lhe compraria uma caminha quente e roupinhas, só que Deus permitiu a tarefa a um morador de rua.  Mas a ação foi igualmente acolhedora.
Foi arrumada uma caixa de papelão com trapos de pano macio para lhe servir de cama e vestido com roupinha mais quatro sapatinhos achados no lixo. Descartados, quem sabe, por alguma madame.
Tão quentinho e bem alimentado que nem faria diferença caso parasse em casa de luxo. Carinho não lhe faltava.
Tão logo ganhou forças e peso, abanou seu rabinho e lambeu o rosto de quem, tão generosamente, dividiu seu canto e alimento.
Vagava com seu dono pelas ruas, foi crescendo com saúde, porém o mesmo não acontecia com seu amigo que aos poucos adoecia. A tosse era um tormento na madrugada.
O dia preparado chegou.
Em uma esquina de rua perigosa houve uma batida de carros. Um pai chorava desesperadamente pelo filho que havia sido arremessado pela janela. A criança não estava com cinto de segurança.
O cão entrou no mato e achou a criança rapidamente, coisa que os bombeiros não estavam conseguindo. O pai não se continha em gratidão, quis pegar o cão e tirá-lo das ruas, mas ele não se deixava agarrar, corria de um lado para o outro escapando de todos. Correu de volta para o beco onde seu dono tremia de febre.  
O pai foi atrás, precisava muito agradecer. Quando o avistou, contemplou a cena comovido: o cão e o mendigo eram verdadeiros amigos.
O pai, homem de bom coração, promoveu socorro para o morador de rua em seus últimos momentos de vida.
Hoje, o cão mora bem instalado, olha para a rua de sua varanda abanando seu rabinho, sem entender a diferença entre lixo e luxo, retribuindo carinhos e cumprindo seu papel como um bom cão.