“-Ande na linha minha filha” – lembrava das palavras de sua mãe,
vovó Sophia, tendo que descer do trem e andar a pé pela falta de luz que a tudo
parou.
Parece
que parou até o tempo e fez vovó voltar à sua juventude bem no dia em que saiu
do interior cheia de sonhos para chegar no Rio de Janeiro e ir direto para a
casa de uma família conhecida dos patrões de sua mãe. Chegou para lavar,
cozinhar, cuidar de casa. Em sua terra não tinha mais chance de se tornar
alguém, nem comida mais havia.
Sua mãe
foi levá-la para tomar a condução rumo ao seu novo trabalho e despediu-se com
esta frase que agora ecoa do passado ao presente, no silêncio dessa procissão
resignada que se formara pelos usuários dos trens paralisados pelo apagão (blackout)
e que seguia a pé pelos trilhos.
Não há
o que fazer se não andar. O cansaço não importa, e ia arrastando os sapatos nas
pedras barulhentas, mas, não barulhentas o bastante para abafar as frases
teimosas que chegavam de longe com o mesmo tema.
“-As letras redondas e as palavras nas
linhas” gritava a sua primeira professora com a régua na mão ameaçadora.
Por medo, aprendeu a ler e escrever rapidamente.
“-
Querida mamãe, escrevo-lhe estas mal traçadas linhas para que não se esqueça
desta filha em suas orações. A vida aqui também é dura, mas poderei, com meu
trabalho, ajudá-los a enfrentar a fome.”
O sol
nasce e vovó já está no trem, o sol morre e vovó vem cochilando no balanço da
volta para casa.
“- Tire uma linha do rapaz no fundo do
vagão” vinha outra frase cochichada por uma amiga nos idos dos anos
cinquenta.
O rapaz
elegante tornou-se seu marido, como diziam na época: alinhado.
Quando vovô
se foi, vovó chorou olhando a linha
do horizonte.
Ao dar
meia noite, toda a família alinhou-se na rua escura. Estávamos aflitos e sem
informação sobre a nossa doce velhinha.
Rezávamos
baixinho enquanto um vulto subia a ladeira. Era ela que vinha sorridente , tão
imponente e orgulhosa ao ver sua grande família bem formada e alinhada a sua
espera.
Abraçamos
vovó com todo o carinho e é certo que ela, na vida, nunca perdeu a linha.
Que
coisa linda vovó fez, pegou suas memórias, naquela noite, e junto com as linhas
dos trens costurou um tecido imaginário até chegar em sua casa conquistada pelo
poder dos desafios da vida e sorriu ao ver seu trabalho completo: uma bela
família.
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