SOS Múmia
O tempo é inexorável.
Eu
que o diga! Não aguento mais esta minha situação estática no museu da Quinta da
Boa Vista.
Aqui estou eu neste esquife de vidro
a ver rostos e rostos me admirando durante os dias e isso por tantos anos
seguidos.
Sussurro meu manifesto a quem tiver
sensibilidade para entendê-lo, pois o faço por pensamento.
Fui
famoso em vida e venerado por meus súditos até depois de morto. Milhares de
anos se passaram até que me tiraram de sono profundo para me darem de presente a
um monarca brasileiro. Puseram-me num navio, trouxeram-me para esta terra,
quedaram-me nesta Quinta e por pouco tempo me respeitaram.
Os
séculos passaram e meu valor foi esquecido pelo povo a quem me presentearam.
Não
aguento mais essa exposição sem fim, secularmente falando. Acho que todos vocês
já me olharam; tanto os moradores quanto os viajantes que pelo Rio de Janeiro
passaram. Quem sabe espantados pela minha magreza de múmia ou pela perseverança
de existência, porque existo, sim, eu existo. E existo porque penso, mas penso
sem estar vivo; não vivo porque não me circula sangue nas veias; não vivo
porque não respiro este ar poluído nem convivo com essa gente mesquinha que não
respeita suas relíquias e ignoro por que não me enterram...
Se
com chuva já me encharcaram.
Se
com pouco caso já me cuidaram.
Se
com desprezo já me humilharam...
Não
sei por que não me enterram.
Se
a quem fui dado também já é morto e só pela história não sou esquecido, que me
ingressem na literatura para que eu ganhe o respeito devido.
Que
os jornais propaguem o descuido desse teto cheio de cupins que protege outras
relíquias e não só a mim, o mais rápido ou que ao menos divulguem a notícia,
hoje e sempre, para o mundo globalizado de onde convergem olhares críticos: A
múmia pede socorro!
Ah!
Agora, compreendo o porquê não me enterram! ...os olhares críticos...