quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Enfim, eu 


  Gostaria de expirar todo o ar que carrego e com ele todos os sentimentos ruins que me incomodam.  Aqueles que franzem minha testa, amargam minha boca, envenenam minhas palavras e endurecem minhas atitudes.  
   Estou perdendo a ternura em um efeito dominó de consequências.
   Queria mergulhar em uma onda forte para me desgrudar dos espinhos, me arrastar na areia para polir os que sobrassem...
                                                                         ...e chegar em casa feliz por voltar a ser eu mesma.

UH! UH!

          
      Estou aqui no meio da turba efervescente, pulo de braços para o alto como quisesse soltar escamas, não sou peixe, pulo como quisesse voar, não sou pássaro, pulo, pulo. A batida do surdo me contagia, meu coração chega na boca, engulo-o. O tamborim vibra meus pés que se impulsionam no chão, esse som é algo “inescrevível” e é tudo o que eu precisava.                                     
     Um mês sem remédios de tarja preta, uma semana sem ligar para a terapeuta dando informações colhidas com minha mãe, há duas horas pensando em qual montanha me isolar da festa mais quente do planeta: o carnaval do Rio e  no último minuto  decido aceitar o chamado de minhas amigas. Vale tudo. Quero botar meu bloco na rua. Quase fiquei ruim da cabeça, mas sei que não sou doente do pé.
     Sinto cheiro de cerveja, chopp, sei lá, eu não bebo, sou natureba, consciente, ecológica, contudo quase pirei no ano passado, e daí neste quero enfiar o pé na jaca bem no comecinho, liberar adrenalina, berrar mesmo sem saber a letra da música, gritarei como um papagaio louco e não calarei nem quando minha voz se acabar, farei mímicas e grunhirei outros sons, suarei todos os meus temores sem pensar na Quarta-feira. Cadê as garotas? Me perdi ou me encontrei?
     De repente, numa clareira de gente suada avisto um deus grego que me chamou a atenção por já estar me olhando sentado numa lanchonete. Ele levanta o copo espumante em brinde a mim e eu minha garrafinha de água a ele, mas eis que passa um aglomerado mais denso e a massa humana retira de mim a visão do Olimpo que permanece em minha memória enquanto empurro as pessoas para atravessar a rua e chegar com custo, porém... ele se foi. Quanto tempo levará essa imagem para desbotar, desmanchar de minha mente? Ele era liiindo!!! O que era aquilo? Isto eu sei que é carnaval: imagens em flashes, pulsação, alvoroço, dúvida das horas, do tempo, o que importa é o exato momento... viro-me...  é ele, o deus, está a um palmo de meu nariz, sorrimos, gargalhamos e ele me solta um “hi!”, desmancho o sorriso, não falo inglês e “the book is on the table” não me servirá, e agora? Franzo a testa e ganho um beijo. Nossas línguas portuguesa e inglesa se entenderam muito bem. Ele me diz que não fala português, eu entendo isso. Sentamos e ficamos nos olhando nos olhos longamente, parece que fiquei surda por instantes, não ouvia só sentia, nos demos as mãos e pulamos durante horas.
      Ele tenta sambar , leva jeito, rodopia mostra molejo, porém dobra a ponta dos pés e saltita o frevo pernambucano, tá valendo; eu esnobo meus passinhos aprendidos com meu avô cearense de Sobral que era totalmente duro de cintura, mas foi ele o meu querido professor de samba. Não estamos fazendo feio não. Quando chega o empurra–empurra nos agarramos nos punhos temendo a correnteza, somos um casal “sui generis” sem celular!Pra quê ?
     Dei tanta importância às interpretações de traumas infantis que por acaso teriam causado minhas inseguranças, tanta importância à palavra falada e escrita que não parei para atentar nos gestos, no tato, no cheiro, no sentimento de prazer, no afeto...
     Comecei a pensar qual dos países de língua inglesa, mais próximos de nós, poderia ser o dele.
     Nossos adereços carnavalescos são muito loucos: eu (de cabelo lavado e largado) resolvi pegar peças coloridas, de cada década passada no armário de minha mãe retornando aos anos setenta, e ele veste uma camiseta do super-homem, sandália baiana de couro cru, um relógio de camelô, gigante, branco e parado ao meio dia; não havia um simbolismo específico, mas resultou em uma homenagem às diferenças e à liberdade de escolha.
     Ele me perguntou: “- where are you from?” ‘; isso eu sei, afinal leio legendas desde sempre, respondi apontando para o chão e antes que ele me contasse onde mora, beijei-o, isso vai doer, isso é carnaval, puro exercício de desapego, ninguém é de ninguém, tudo que é bom dura pouco e o fim é na quarta-feira.
     Ele bebeu água de coco como se fosse a última, gritou e gargalhou como se fosse um príncipe, comeu um milho verde como se fosse o único e deitamos no chão como pacotes flácidos, ufa!     Engraçado, ou não, o espaço entre as pessoas está aumentando, as ruas estão alargando, o dia está clareando, e nós não nos cansamos de nos olhar nos olhos, em nossos rostos, queremos decorar cada traço. A curiosidade em saber quem somos, o que fazemos, guardamos, seria importante? A química era perfeita, e o que queríamos era não desgrudarmos mais, mas em meio a algumas palavras que ele teimava em pronunciar eu ouvi “Austrália”. Não podia crer que minha alma gêmea iria para o outro lado do planeta.
     Minhas amigas me encontraram e se aproximaram timidamente. Compreendendo que é    chegada a hora da despedida , nossos corpos foram se separando até sobrarem nossos dedos indicadores que não queriam se soltar. Repetimos o abraço e o beijo, trocamos papeis escritos com carvão de churrasqueira, demos o derradeiro beijo e entrei no carro de minhas amigas que temiam um surto psicótico. Fiquei olhando para ele até sua imagem desaparecer e comecei a rir um riso frenético, minhas amigas mudas e espantadas, eu que havia pensado tanto nas palavras para traduzir pensamentos e identificar traumas, concluí a felicidade traduzida em beijos.        
               
  

Mãe

     
       Pela fresta da cortina, encaro o Cristo Redentor por quase toda a madrugada pedindo como merecimento uma boa recuperação cirúrgica para minha mãe. Estamos eu e minha irmã Melly nos revezando em atenções para ela neste hospital que dizem ser “de ponta” em matéria de equipamentos e profissionais.
       Prescrita a retirada da vesícula, de nada adiantou minha mãe dizer que não se operaria. De fato não se operou, isto quem fez foi o médico. Tudo correu bem, mas meu maxilar se contraiu ainda mais, pois além de negar as benditas gotinhas relaxantes para relaxá-lo, estávamos todos apreensivos com o que ficou exposto na operação: O fígado estava dilatado. Retiraram material para pesquisar, para fazer uma biópsia.
      O que vem com o amanhã? A ansiedade e a angústia da espera.
       Minha irmã abre os olhos e me vê acordada, quando minha mãe abre os dela fechamos os nossos. É bom que ela pense que relaxamos para ter uma boa recuperação.
       A dúvida perdurará por três dias até que chegue o resultado do que nem quero escrever, queremos pensar na melhor das hipóteses para que tudo termine bem.
        Não há felicidade se um dos nossos não está bem.
       A maior preocupação de minha mãe é com nossa irmã Ilka que tem a síndrome de down, de meiguice, de serenidade, de bondade e um olhar que diz saber muito mais do que imaginamos.
       Minha mãe teve três meninas, eu que sou a mais velha tive cinco e minha irmã caçula teve uma. Meu pai que sempre quis um neto se satisfez pela quantidade.
       Graças que o tempo não somente enruga, também cicatriza, acalma, descansa. Mas vem de novo a lembrança e nos assusta.
       O Cristo todo iluminado está de frente para mim, de braços abertos como que dissesse: -Te acolherei!  Dá para ser com toda a minha família? Que momentinho doído! Oh tensão muscular! Vejo que não é somente a barriga cheia, a saúde não nos pode faltar.
       Serão três dias sem sorrisos? Serão três dias de orações! Que a misericórdia divina nos acalme e nossa fé não se afaste para que possamos suportá-los.
       Um, dois, três e até o final do dia o resultado não chegou. Que esfrega! ( Lobato falava assim) Pagamos muitos de nossos pecados. Só ficamos mais leves no dia seguinte com apenas uma ligação dizendo que não foi acusada malignidade. Tive vontade de aprender a sambar, sempre quis isso, mas não levo o menor jeito. Como isso é tão rico e valioso, um grande, gigantesco presente: a esperança.
       E a minha mãe lá na maior folga, em uma ignorância de dar inveja, ainda pediu ao telefone um pão de batata recheado com requeijão. Haja paciência divina!     





A atual história de Chapeuzinho Vermelho

"Chapeuzinho Vermelho foi prestar queixa contra o Lobo Mau  só que,atualmente, esse anda gozando de um certo prestígio devido ao seu jogo de cintura, litigância de má fé e um genuíno e escorregadio agir.
- Venho reclamar sobre a atual moral da minha história - disse Chapeuzinho - em outros tempos, era pautada na desobediência aos pais, que gera problemas, porém agora, resolveram me culpar por não ter visto o rabo do bicho do lado de fora. O Lobo mau é o vilão da minha história!
- Não senhora. As coisas mudaram. Quem está errado é quem se deixa enganar. Os novos tempos não perdoam os ingênuos, esses são um péssimo exemplo para a criançada.
- Mas como assim? Eu fui enganada. Cheguei na casa de minha avó, e quem encontrei lá de óculos e camisola? Reconheci ser minha avó.
- A senhora não reparou nos olhos grandes? Orelhas e dentes grandes? E no rabo? Ora, tenha dó! Escutei sua história quando pequeno " ad nausean" e não aguento mais sua burrice, porque ingenuidade é um tremendo eufemismo. O Sr. Lobo estava lá na floresta com a maior fome e aí vem a senhora com esta roupinha ridícula, e ainda por cima vermelha, fica fazendo doce, ora ora, vai reclamar de quê? Tudo isso é tão paradoxal, leva doces para a vovozinha e coloca um estranho dentro da casa dela? Ele, o Sr. Lobo está movendo contra a senhora um processo por maus tratos e olha que a sociedade protetora dos animais vem com tudo pra cima do agressor. Se eu fosse a senhora colocava uma pedra em cima disso tudo, os dois prometem não se incomodarem mais e bola pra frente que a fila anda. O  próximo!




Para quem interessar possa, o meu primeiro e-book é : Às vezes, é real e não sangra.