quinta-feira, 8 de maio de 2014

    Eu só quero abraçar minha mãe.

    Enfim, está clareando. Estou sem voz, gritei o que pude neste silêncio, nunca odiei tanto o silêncio, nem os insetos se apresentaram.
   Estou respirando melhor e pausadamente, parece que estou me conformando com a morte. Não! Não! Eu quero viver, sei que o Senhor é o único que me ouve agora, eu quero viver! Estou movendo os dedos da mão direita, mas meus braços estão imóveis, não sinto minhas pernas.
   Eu quase não bebi, acho que foi um gole ou dois em copo de amigos. Amigos?! Como não me impediram de dirigir? Já que não posso mentir para Quem Tudo Sabe, eu confesso que dei umas tragadinhas, mas foi para abstrair a lembrança de vê-lo beijando aquela piriguete. Eu cheguei muito atrasada, estava no salão de beleza, e acho que ele pensou que eu faltaria ao nosso encontro. Não acredito que ainda quero arrumar desculpas para quem nunca me respeitou! E eu me respeito? A curva da estrada me engoliu. Não sei quantas vezes capotei, não sei onde estou nem como estou. O líquido que escorre em minha testa não é suor, sinto frio. Ele é quente, grosso e mistura-se com minhas lágrimas.
   Não quero morrer, Senhor! Quem me ama, verdadeiramente, não pode ficar sem mim. Ela deve estar desesperada nesse momento, ouvi meu celular tocando por toda a madrugada, sei que era ela. Perdoe-me minha mãe! Se eu sair dessa, eu a abraçarei forte com toda a gratidão que você merece.
   A última aula do curso foi sobre eufemismo, “partir dessa para melhor”, “descansar”, “virar estrela’, “encontrar-se com Deus”. Ou, ironicamente, como eu mereço: “comer capim pela raiz”, “ ir para a terra dos pés juntos” , Não é para rir não! Quero parar de pensar... não consigo!  Se “ penso, logo existo” então ainda tenho chance! Tenho emprego e estudo, cumpro meus deveres e daí acho que posso “enfiar o pé na jaca”, posso fazer o que quero!  Menos guiar meus pensamentos, estou misturando tudo, preciso pedir perdão pelos meus pecados e parar com todos esses pensamentos loucos já.
   Quebro este silêncio batendo com minhas unhas de porcelana que ainda não paguei nas ferragens do carro, alguém precisa me ouvir.
   Percebo que isso não foi culpa dele, eu que pareço um para-raio de canalhas, as pistas esfregavam-se no meu nariz. Nariz, fungo, tusso, espirro sangue no vidro do carro. Sempre espirro quando o sol bate em meu rosto frio. O sol que tanto persigo, agora me horroriza.
   Perdoe-me por todos os meus pecados! Lava-me com o poder de seu nome, Nosso Senhor Jesus Cristo!  Nenhuma droga me dominará mais, seja verde, seja branca, seja humana.
   Estão gritando lá em cima, acho que me viram. Grata! Grata!
   São muitos, acho que um exército. Um som maravilhoso de pedras estalando e galhos se quebrando.
   Agora estão cortando a lataria de meu carro, não ouso gritar, eles já viram que mexo a mão direita. Acomodaram-me em uma maca e a sobem pelo barranco com muito esforço. A minha crença na humanidade voltou. Esqueça o que falei sobre todos os homens, Senhor. Estes aqui prestam!
 Rasgaram minhas calças de grife cara, minha mãe escondeu o meu vestido temendo um estupro na noitada. Acaso não me respeite, mãezinha, eu já me basto!
   Movo meus olhos piscando em respostas e agradecimentos. Não tenho coragem de forçar as palavras.
   A ambulância corre com sirene estridente e eu repetindo baixinho, perdão, perdão, eu só quero abraçar minha mãe.   

Nenhum comentário:

Postar um comentário