Eu só quero abraçar minha mãe.
Enfim, está clareando. Estou sem voz, gritei o
que pude neste silêncio, nunca odiei tanto o silêncio, nem os insetos se
apresentaram.
Estou respirando
melhor e pausadamente, parece que estou me conformando com a morte. Não! Não!
Eu quero viver, sei que o Senhor é o único que me ouve agora, eu quero viver! Estou
movendo os dedos da mão direita, mas meus braços estão imóveis, não sinto
minhas pernas.
Eu quase não bebi,
acho que foi um gole ou dois em copo de amigos. Amigos?! Como não me impediram
de dirigir? Já que não posso mentir para Quem Tudo Sabe, eu confesso que dei
umas tragadinhas, mas foi para abstrair a lembrança de vê-lo beijando aquela
piriguete. Eu cheguei muito atrasada, estava no salão de beleza, e acho que ele
pensou que eu faltaria ao nosso encontro. Não acredito que ainda quero arrumar
desculpas para quem nunca me respeitou! E eu me respeito? A curva da estrada me
engoliu. Não sei quantas vezes capotei, não sei onde estou nem como estou. O
líquido que escorre em minha testa não é suor, sinto frio. Ele é quente, grosso
e mistura-se com minhas lágrimas.
Não quero morrer, Senhor! Quem me ama,
verdadeiramente, não pode ficar sem mim. Ela deve estar desesperada nesse
momento, ouvi meu celular tocando por toda a madrugada, sei que era ela.
Perdoe-me minha mãe! Se eu sair dessa, eu a abraçarei forte com toda a gratidão
que você merece.
A última aula do
curso foi sobre eufemismo, “partir dessa para melhor”, “descansar”, “virar
estrela’, “encontrar-se com Deus”. Ou, ironicamente, como eu mereço: “comer
capim pela raiz”, “ ir para a terra dos pés juntos” , Não é para rir não! Quero
parar de pensar... não consigo! Se “
penso, logo existo” então ainda tenho chance! Tenho emprego e estudo, cumpro
meus deveres e daí acho que posso “enfiar o pé na jaca”, posso fazer o que
quero! Menos guiar meus pensamentos,
estou misturando tudo, preciso pedir perdão pelos meus pecados e parar com
todos esses pensamentos loucos já.
Quebro este
silêncio batendo com minhas unhas de porcelana que ainda não paguei nas ferragens do carro,
alguém precisa me ouvir.
Percebo que isso não
foi culpa dele, eu que pareço um para-raio de canalhas, as pistas esfregavam-se
no meu nariz. Nariz, fungo, tusso, espirro sangue no vidro do carro. Sempre espirro
quando o sol bate em meu rosto frio. O sol que tanto persigo, agora me
horroriza.
Perdoe-me por todos
os meus pecados! Lava-me com o poder de seu nome, Nosso Senhor Jesus Cristo! Nenhuma droga me dominará mais, seja verde,
seja branca, seja humana.
Estão gritando lá
em cima, acho que me viram. Grata! Grata!
São muitos, acho
que um exército. Um som maravilhoso de pedras estalando e galhos se quebrando.
Agora estão
cortando a lataria de meu carro, não ouso gritar, eles já viram que mexo a mão
direita. Acomodaram-me em uma maca e a sobem pelo barranco com muito esforço. A
minha crença na humanidade voltou. Esqueça o que falei sobre todos os homens,
Senhor. Estes aqui prestam!
Rasgaram minhas
calças de grife cara, minha mãe escondeu o meu vestido temendo um estupro na
noitada. Acaso não me respeite, mãezinha, eu já me basto!
Movo meus olhos piscando em respostas e
agradecimentos. Não tenho coragem de forçar as palavras.
A ambulância corre com
sirene estridente e eu repetindo baixinho, perdão, perdão, eu só quero abraçar
minha mãe.
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